sábado, 10 de janeiro de 2009

DA PRODUÇÃO DE ARTE BRASILEIRA ATUAL, POR DANIELA LABRA, UMA DE NOSSAS CONVIDADAS

Daniela Labra, nos oferece uma reflexão sobre o bom momento da arte contemporânea brasileira a partir de um olhar para a nossa própria história dentro da arte, mas sem deixar de aludir aos riscos sutis de uma construção artística globalizada.
Foto ilustrativa
Da produção de arte brasileira atual
Daniela Labra

Reunir numa só mostra sessenta artistas cuja produção está legitimada pelo circuito nacional certamente oferece um panorama amplo da arte brasileira contemporânea, mas dificilmente consegue dar conta da totalidade do que vem sendo produzindo com constância e qualidade no Brasil. Ainda bem. A arte contemporânea brasileira oferece tal diversidade de propostas que, para nosso deleite, não se esgota numa exposição.



A vitalidade dessa produção, nas palavras do crítico Fernando Cocchiaralle se dá hoje graças a “um passado moderno e contemporâneo que poucos países talvez possuam” erigido “na qualidade da obra de muitos artistas das três ou quatro últimas gerações” [1]. Neste passado, de acordo com o crítico, dois marcos constituíram inovação no campo da arte brasileira: o discurso antropofágico (abrasileiramento de tudo o que vem de fora), no final da década de 1920, e as idéias neoconcretas, trinta anos depois, valorizando o que é da ordem do experimental (o processo).



Estes dois marcos apontados por Cocchiaralle são relidos na arte contemporânea brasileira. Nessa situação, a premissa antropofágica de “abrasileiramento do que vem de fora” hoje se coloca como a deglutição de referências estrangeiras para deixar uma proposta brasileira com jeito de mundo, e não o oposto, de acordo com o sentido inicial dado por Oswald de Andrade. No impulso de negar o estereótipo de arte colorida exótica que permanece encoberto pelo eurocêntrico rótulo do multiculturalismo, o abrasileirar tornou-se um movimento que dá à arte brasileira uma cara internacional.



Contudo, ao fugir da condição de colonizado-copista e do estigma que vende a mulata, a bossa nova, as sandálias, a caipirinha, a arte brasileira se arrisca a se tornar estrangeira no processo de globalização que também deglute o que é do outro, colocando tudo num patamar estético que diz respeito a todo lugar e a lugar nenhum. A cultura globalizada pode descaracterizar o que é local e nessa esteira grande parte da nossa produção artística contemporânea cai num espaço de pertencimento internacional cujo matiz estético assemelha-se a uma pasta homogênea.



Se, então, uma homogeneização estética trazida pela globalização também nos atinge, como explicar a vitalidade da produção contemporânea brasileira? O que a diferencia num cenário global quando não se apóia no discurso exótico-nacionalista?



Além dos antecedentes citados que dão uma base teórica e formal para nossa arte, há ainda a máxima vigente de Hélio Oiticica “da adversidade vivemos”, símbolo de uma característica que acompanha o crescimento do país e a sua inserção na economia mundial como um todo. Nossa realidade político-social de nação ‘em desenvolvimento’somada à ausência de uma tradição clássica nas artes é ainda fator importante para destacar a produção brasileira nesse caldo. A situação do Brasil, adversa e não mais ilustrada ao modo do realismo social ou das temáticas folclóricas, está presente nas obras como pulsão criativa, invenção, escárnio e descompromisso com quaisquer cânones dos centros hegemônicos. Nesse cenário, a criação no âmbito do improviso, instalada como modo operante para bem e para mal, ainda perpetua o legado experimental e a “vontade construtiva geral” preconizada por Oiticica. [2]



Acompanhando o movimento de internacionalização da arte brasileira, o meio que a gera e dissemina também sofreu modificações estruturais importantes nas últimas décadas. Ao se abrir para o mundo globalizado, profissionalizou-se um pouco mais, acompanhando a nova geração de artistas, que são muitos, cujas carreiras se iniciaram sob a égide da estabilidade econômica. Estes, podem aprimorar e diversificar sua formação tanto em novos cursos de arte que vêm aparecendo no Brasil como em viagens pelo país e mundo afora. Também podem se conectar a infinitas redes de trabalho e pensamento pela internet ou nos programas de residências artísticas que se multiplicaram pelo planeta na última década.



Todavia, há um descompasso entre esse cenário de possibilidades que produz o artista e a sua arte e a ausência de uma infra-estrutura forte o bastante para absorvê-los e fazê-los circular amplamente. Apesar de uma maior profissionalização das instituições culturais e de um incremento do circuito comercial de galerias, ainda lidamos com a falta de técnicos, com recursos escassos, com poucas publicações, entre outras carências que parecem eternas. Tais problemas fazem da adversidade não um estímulo, mas um entrave incontornável quando o assunto é formação de público. Não podemos esquecer que o país continua sem um museu com uma exposição permanente que reúna significativamente a produção brasileira do século XX e ainda dói a lembrança de que uma das melhores e mais completas coleções particulares de arte concreta e neoconcreta foi vendida para um museu estrangeiro sem que houvesse grande esforço governamental para mantê-la aqui.[3] O vazio que sua exportação futuramente deixará em termos educativos é imensurável, mas não vamos desanimar...



Uma exposição como esta é prova que se vive um momento profícuo nas artes plásticas e que a euforia é grande. Voltemos nossa atenção a ela e celebremos a pujança da arte nacional. Façamos votos para que sua fecundidade contamine e estimule o amadurecimento em todos os níveis institucionais no meio da arte e da cultura brasileiros. Assim, talvez daqui a 10 anos o artista poderá afirmar: Da adversidade viemos, mas nela não vivemos mais!


[1] COCCHIARALLE, Fernando. “Da Adversidade Vivemos”. In. FERREIRA, Glória (Org.). Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Rio de Janeiro, FUNARTE, 2006.
[2] OITICICA, Hélio. “Esquema Geral da Nova Objetividade”. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília (Orgs.). Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 2006
[3] O Museu de Belas Artes de Houston (MFAH), nos Estados Unidos, adquiriu a coleção Adolpho Leirner de Arte Concreta Brasileira em março de 2007. A coleção é formada pelos melhores exemplos da abstração geométrica em pinturas, objetos, pôsteres e materiais gráficos produzidos pelos mais importantes artistas brasileiros no pós 2ª guerra.








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